Gratidão!
É esta palavra que trago no coração quando penso no Papa Bento XVI!O mundo inteiro, e em
especial a comunidade católica, na data de 11 de fevereiro de 2013, dia de
Nossa Senhora de Lourdes e da Jornada Mundial dos Enfermos, foi apanhado de
surpresa com uma decisão corajosa desse grande seguidor do Cristo Senhor: no
consistório convocado para decisão sobre três canonizações, ele anuncia, diante
de um mundo que parou atônito, a sua renúncia ao Trono de Pedro. Na sua
declaração, marcada com simplicidade, humildade, lucidez profunda e uma imensa
coragem, o Papa diz que não tem mais condições para levar adiante a missão que
lhe foi confiada. Como ele mesmo disse em sua mensagem, depois de uma séria
reflexão diante de Deus, tomou essa decisão histórica e completamente nova,
pelo menos nos últimos séculos.Realmente, há séculos
que nenhum Sumo Pontífice renuncia, embora, pelo direito da Igreja (Código
de Direito Canônico, 332, §2º), o Papa possa fazê-lo. E, corajosamente, ele
usou desta prerrogativa. Ele já tinha acenado para isso há tempos. Podemos
acompanhar alguns sinais dos caminhos de Deus em sua vida. Em uma entrevista ao
jornalista alemão Peter Seewald e publicada no livro "Luz do Mundo: o Papa, a Igreja e o Sinal dos Tempos", afrontara este tema e respondido que essa era uma possibilidade, caso o
Papa chegasse à conclusão de que esse gesto seria melhor para a Igreja. Em
abril de 2009, quando visitou o túmulo de Celestino V, um dos Papas que
renunciou ao trono de Pedro, ele fez mais do que rezar diante dos restos
mortais. Sem explicação, Bento XVI passou vários minutos lá e, depois, tendo
recebido de seu secretário o pálio (de sua posse?) pousou-o gentilmente na urna
de vidro de Celestino. Também às vezes em que se referiu a nós e aos seus
assessores sobre a vinda à Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro
disse: “o Papa irá, eu ou meu sucessor”.
O seu gesto, que está agora sendo discutido, analisado, refletido por todos os
meios de comunicação, tornou-se um sinal profético para todos os seus
contemporâneos. Ele continuará sua missão evangelizadora e de amor pela Igreja
numa vida de oração no Mosteiro que existe dentro do Vaticano. No mundo atual,
onde governantes querem se perpetuar no poder, alguém que tem esse direito
vitalício abre mão dele por pura humildade e pensando no bem da Igreja e do
povo de Deus. No extremo de uma coragem heroica, própria dos grandes santos da
Igreja, o Papa nos dá esse exemplo. Sentindo ele mesmo o peso da idade e a
natural diminuição de suas forças físicas, “bem consciente da gravidade deste
ato, com plena liberdade”, renunciou ao ministério de Bispo de Roma, sucessor
do Apóstolo Pedro. A surpresa foi geral até para seus colaboradores mais
próximos; como, por exemplo, o seu Secretário de Estado, que, em sua fala ao
final da celebração da missa desta Quarta-feira de Cinzas, interpreta o
sentimento geral: “não seríamos sinceros, Santidade, se não lhe disséssemos que
nesta noite há um véu de tristeza sobre o nosso coração”. A notícia percorreu o
mundo, passando por toda a Igreja e chegando até os mais distantes países e
governantes. Aqui no Brasil superou as notícias dos feriados de Carnaval. Um
ato raro dos sucessores de Pedro e, desta vez, com transmissão por rádio e
televisão e com todas as palavras jurídicas que exige o Direito Canônico. E
Bento XVI o fez com o olhar terno e a voz tranquila e de paz de quem tomou uma
decisão amadurecida.
Em sua primeira aparição pública após esse ato, nesta quarta-feira, 13 de
fevereiro, na audiência geral, diante de um povo emocionado e grato, ele
lembrou outra vez a sua atitude, e disse que o que o sustem e ilumina é a
certeza de que a Igreja é de Cristo, o Qual nunca deixará de guiá-la e de
cuidá-la. Recordou também o amor e a oração que sentiu “quase que fisicamente”
de todos que o acompanharam nesses dias, que “não foram fáceis” para ele.
A Arquidiocese do Rio de Janeiro agradece a Deus pela bela e importante missão
desempenhada pelo Papa Bento XVI no decorrer desses quase oito anos. Missão
corajosa e firme: ao mesmo tempo em que levou adiante a barca de Pedro, nessa
época de tantas contradições, tensões e dificuldades, soube dialogar com os
demais cristãos, outras religiões e com todas as áreas culturais e políticas.
Conquistou, com sua simplicidade e sabedoria, muitos corações de povos e nações
que tinham opiniões antes contrárias a ele ou à Igreja. A sua insistência sobre
a racionalidade da fé diante dos fanatismos hodiernos e sua firmeza na doutrina
foi um trabalho constante durante o seu Pontificado. O Secretário de Estado bem
o expressou, no citado discurso, sobre a presença do Papa Bento na Igreja:
“nestes anos, o seu magistério foi uma janela aberta sobre a Igreja e sobre o
mundo, que fez penetrar os raios da verdade e do amor de Deus, para dar luz e
calor ao nosso caminho, sobretudo nos momentos nos quais nuvens ficaram densas
no céu”.Nós, do Brasil, somos
imensamente gratos a Bento XVI por ter escolhido o Rio de Janeiro para sediar a
Jornada Mundial da Juventude neste ano de 2013, momento importante para as
“sentinelas do amanhã”. A nossa cidade se prepara para esse evento jovem que,
sendo o segundo na América Latina, será também o segundo de “dois Papas” – um
que preparou, escolheu o tema, publicou a mensagem convidando os jovens, e o
seu sucessor que virá para presidir a JMJ e, no “campus fidei” de Guaratiba
enviar o povo jovem para “fazer discípulos”. Essa será muito provavelmente uma
das primeiras viagens de seu pontificado.A certeza de
continuidade é própria da nossa fé. O apóstolo Paulo vem nos lembrar: “um é o
que planta, outro o que rega e outros os que colherão os frutos” (cf.1Cor
3,6-9). Aliás, em sua primeira aparição, naquele 19 de Abril de 2005, ele
mesmo se disse “humilde trabalhador da Vinha do Senhor”. Deus, através do Santo
Padre, nos deu uma oportunidade única, da qual nunca nos esqueceremos,
sendo-lhe eternamente gratos: com o Papa Bento XVI, plantamos uma semente de
esperança com a sua força de fé e compromisso com o Senhor Jesus, e juntos
regamos essa mesma semente. Agora, mesmo sem a sua presença física, mas sabendo
que ele rezará por nós, colheremos os frutos de todo este trabalho.Estamos em pleno Ano da Fé! E é com os olhos da fé que
interpretamos os sinais dos tempos! A escolha do nome Bento definiu também uma
missão: de, como São Bento, estar em um tempo de “mudança de época” e, ao mesmo
momento, com catequeses e vivências profundas, numa vida de oração e pregação,
fortalecer a fé do nosso povo. A sua “declaração de renúncia” foi assinada no
dia 10 de fevereiro, dia de Santa Escolástica, irmã de São Bento. A escolha de
um Mosteiro no interior da cidade do Vaticano traz indicações claras para vida
espiritual e mística do Papa Bento XVI.Ele mesmo se refere
ao que irá fazer após a renúncia: “Pelo que me diz respeito, nomeadamente no
futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a
Santa Igreja de Deus”. O Patriarca São Bento e toda a tradição monástica
ensinam que após uma vida de provações e de lutas, bem adestrados nas fileiras
fraternas, o monge pode assumir a vida “eremítica” (cf. Regra de São Bento,
c. 1). O Santo Padre, na “declaração”, em suas palavras finais e na datação
da mesma, assim como a escolha de um Mosteiro para residir e rezar nos remete a
esse tipo de vida mais recolhida, orante e silenciosa. É a maneira que o Papa
Bento XVI escolheu para continuar servindo a Igreja.E é este realmente o
grande segredo da evangelização. Basta recordar a padroeira das missões, Santa
Terezinha. A oração do povo de Deus sustenta a missão da Igreja. É também este
o “humilde e nobre serviço” (cf. D. Gabriel Brasó, O Humilde e Nobre Serviço
do Monge) que o Papa escolheu para continuar evangelizando, ao rezar e se
sacrificar pela Igreja que ele tão bem conhece. Igreja que ele recordou aos
seminaristas de Roma, poucos dias atrás, que é uma árvore que cresce sempre de
novo, se renova sempre, renasce sempre e que por isso o futuro é nosso, o
futuro é de Deus.A nossa Arquidiocese,
em coro com todos, também diz: “obrigado, Santidade, por ter-nos dado o
luminoso exemplo de simples e humilde servo da vinha do Senhor, um trabalhador,
todavia, que soube em cada momento realizar aquilo que é mais importante: levar
Deus aos homens e levar os homens para Deus” (Cardeal Tarcísio
Bertone, ao final da Missa de Quarta-feira de Cinzas de 2013).Como ele anunciou que
irá se dedicar à oração, pedimos, como filhos: reze por nós ao Senhor da Messe!
Ele nos chamou à missão, ao trabalho, mas nós precisamos d’Ele, da Sua graça em
nossas vidas. Santo Padre, peça a Deus por nós, pelo nosso Brasil, pela Jornada
Mundial da Juventude. Deus o recompense pelo seu trabalho, missão e exemplo:
somos muito gratos! O Senhor o faça muito feliz.
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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